eu costumava pingar limão em cima da ostra viva e via com horror e fascínio ela se contorcer-se toda. não gosto quando pingam limão nas minhas profundezas e fazem com que eu me contorça toda.(clarice lispector)quando chego ao fimdescubro que precisei de apanhar o peixepara me livrar do peixe
(adília lopes)
acordei como se tivesse patas e casco. um gosto forte e um cheiro inquietante de bicho exalando pelo quarto. um gosto amargo, um cheiro amargo... como se eu tivesse comido a vida com as mãos e tudo que era escorregadio tivesse descendo pelo canto da boca e se arrastado pelo azulejo.
eu era uma coisa dura e impenetrável. a minha cabeça havia sido pisoteada na avenida rio branco, e os becos se estreitavam para me esmagar. sábado à noite o espelho daquele labirinto me sugou e eu fiquei presa num corpo que era meu, sentindo uma coisa estranha como se fosse deus me pesando. no entanto, como os poemas, é preciso o alívio de se livrar.
domingo escrevi entre as sombras enquanto segurava a lua numa mão e um peixe enorme na outra. era como se eu fosse um rio, porque o peixe não morreu: ficou nadando corpo-adentro até sair pela boca junto com o poema.
peixe, gatos, ostras, bebês, placentas, rios, limões, pata, casco, barata, gosma escorregadia de tudo que é bicho que a gente tenta pegar pra ser artista precisa ser bicho?
a língua trai, não a linguagem.
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